A regionalização é um processo técnico-político relacionado à definição de recortes espaciais para fins de planejamento, organização e gestão de redes de ações e serviços de saúde. Por seus significados e pelas relações existentes entre regiões e redes de atenção no país, o avanço do processo de regionalização pode interferir positivamente no acesso à saúde, pois permite observar os determinantes sociais de saúde no modo como estes se expressam no território; estabelecer portas de entrada e hierarquia tecnológica com base em parâmetros de necessidade e utilização dos recursos disponíveis; disponibilizar recursos sociais e políticos que incentivem o compartilhamento de responsabilidades entre os governos e a participação da sociedade nesse processo, entre muitos outros benefícios.
Na década de 1990, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi marcada pela descentralização que redefiniu responsabilidades entre os entes governamentais e resultou na transferência de funções antes concentradas na União para os estados e, principalmente, os municípios. A descentralização foi importante para a expansão da cobertura de serviços e recursos públicos provenientes dos governos subnacionais. Entretanto, não foi capaz de resolver as imensas desigualdades regionais presentes no acesso, utilização e gasto público em saúde, além de não ter conduzido à integração de serviços, instituições e práticas no território.
O processo de regionalização, previsto no decreto 7.508, de 28/06/2011, associa-se, em cada estado, às dinâmicas socioeconômicas, às políticas de saúde anteriores, ao grau de articulação existente entre representantes do Conselho de Representação das Secretarias Municipais de Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde e sua capacidade de gerar consensos sobre a divisão de responsabilidades gestoras e desenhos regionais adotados em cada estado.
A pesquisadora Luciana Dias Lima* considera que o avanço da regionalização da saúde no Brasil, na atual fase de construção e consolidação do SUS, apresenta enorme desafios, entre eles:
– Introdução de alterações organizacionais, desenvolvimento e incorporação de tecnologias de informação no Ministério da Saúde e nas Secretarias de Saúde, que possibilitem um olhar integrado sobre o território e o reforço do planejamento regional do sistema de saúde;
– Elaboração de uma pauta de negociação regional, no plano nacional e estadual, que subsidie compromissos a serem assumidos pelos gestores no sentido de integrar a atenção à saúde às ações de fomento ao complexo industrial da saúde, às estratégias de formação e alocação de recursos humanos e à política de ciência e tecnologia do SUS;
– Formulação de propostas específicas que apoiem a regionalização do SUS nos estados brasileiros, levando em consideração condicionantes e estágios diferenciados de implementação de cada um;
– Valorização, atualização e diversificação dos mecanismos de negociação e pactuação intergovernamental, com: (a) ampliação da representatividade e do debate sobre temas de interesse regional nas instâncias federativas do SUS (ex: CIT, Conass, Conasems, CIB, Cosems e CIR); (b) reforço da institucionalidade das instâncias federativas no plano regional (incorporação de pessoal permanente, qualificação de equipes técnicas e dirigentes, reforço das funções de planejamento e regulação) e criação de novos arranjos em situações específicas (tais como as regiões metropolitanas, as áreas fronteiriças, as zonas limítrofes entre estados, as áreas de proteção ambiental e reservas indígenas); (c) consolidação de parcerias intergovernamentais (por meio de consórcios e contratos) baseadas em planos regionais de saúde formulados e acordados nas instâncias de pactuação federativa do SUS;
– Reformulação dos mecanismos e instrumentos de transferência e gestão intergovernamental de recursos financeiros sob à ótica regional;
– Elaboração de um plano nacional de investimento para permitir uma oferta à saúde adequada e menos desigual nas diferentes regiões do país.
*Luciana Dias Lima é pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP e integrante do Comitê Guia da Dimensão Governança Regional na pesquisa nacional ‘Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil’.
Fonte: Informe ENSP